sexta-feira, 9 de julho de 2010

Darwinismo social, racismo e imperialismo

[A seguir, apresento um trecho interessantíssimo do livro O Imperialismo, escrito pelo já falescido (2007) Dr. Héctor H. Bruit, que foi doutor pela USP, Livre Docente pela UNICAMP e pesquisador do Centro de Memória da UNICAMP. Li este livro como parte do material a ser estudado na disciplina de Organização do Espaço Mundial, do curso de Geografia - UEM. O trecho se refere a uma análise de um dos principais fatores que motivaram a expansão colonial dos países imperialistas (em especial, a partir do século XIX), o darwinismo social, que deu base para a repugnante ideia da superioridade racial]

(...) Também é necessário lembrar outras motivações que, parcialmente, constituem outras tantas explicações do processo de colonização mundial. Assim, foi notória a visão de que a colonização era uma missão civilizadora de uma raça superior, a branca. Esta convicção baseava-se na superioridade que o europeu e o americano viam em suas instituições políticas, na organização da sociedade, no desenvolvimento industrial. Ao mesmo tempo, esta imagem era estimulada por doutrinas marcadamente racistas, como a elaborada pelo filósofo inglês H. Spencer, conhecida por "darwinismo social". Segundo essa filosofia, a Teoria da Evolução de Darwin podia ser aplicada perfeitamente à evolução da sociedade. Assim como existia uma seleção natural entre as espécies, ela também existia na sociedade. A luta pela sobrevivência entre os animais correspondia à concorrência capitalista; a seleção natural não era nada além da livre troca dos produtos entre os homens; a sobrevivência do mais capaz, do mais forte era demonstrada pela forma criativa dos gigantes da indústria que engoliam os competidores mais fracos, em seu caminho para o enriquecimento. O sucesso dos negócios demonstrava habilidade superior de adaptação às mudanças; o fracasso indicava capacidade inferior. Por estas razões, a intervenção do Estado era prejudicial, já que interrompia o processo pelo qual a natureza impessoal premiava o forte e eliminava o fraco.

Em outras palavras, se a luta pela existência resultava na sobrevivência e predomínio dos animais e plantas mais capazes, como afirmara Darwin, uma luta semelhante se produzia entre as raças humanas e as nações com idênticos resultados. Esta dura concorrência em âmbito internacional, que justificava a conquista e destruição de sociedades inferiores, era feita em nome do progresso.

Um autor da época, Edmond Desmolins, escrevendo sobre o conflito com os boêres da região do Cabo, na África, formula a questão da seguinte forma:

"Quando uma raça se mostra superior a outra nas manifestações da vida nacional, de modo inevitável, termina por dominar a vida política e impor, de modo permanente, sua superioridade. Seja que esta superioridade se reafirme por meios pacíficos, seja pela força das armas, chega um momento em que fica estabelecida oficialmente. Afirmei que esta lei é a única que explica a história da raça humana e as revoluções dos impérios e que, além disso, esclarece e justifica a apropriação, pelos europeus, do territórios da Ásia, África e Oceania, e todo o processo de nosso desenvolvimento colonial".

Escrevendo sobre a vida e façanhas de Hubert Hervey, alto funcionário da British South African Chartered Co., o conde Grey acaba concluindo que o branco, e particularmente o inglês, é o único que sabe governar, o que lhe outorga direitos indiscutíveis para dominar as raças de cor evidentemente inferiores:

"Provavelmente todo mundo estará de acordo que um inglês tem direito a considerar que sua forma de entender o mundo e a vida é melhor que a de um hotentote ou um maori e ninguém se oporá, em princípio, a que a Inglaterra faça o possível para impor a estes selvagens os critérios e modos de pensar ingleses, posto que são melhores e mais elevados. Há alguma probabilidade, por remota que seja, de que num futuro previsível possa desaparecer o abismo que agora separa os brancos dos negros? Pode haver alguma dúvida de que o homem branco deve impor e imporá sua civilização superior sobre as raças de cor?..."

No entanto, como os darwinistas sociais estabeleceram, não só o branco é superior ao homem de cor, como tem o direito indiscutível de apoderar-se de tudo o que o negro, o índio e o amarelo não sabem usar convenientemente. Este princípio é usado em nome da humanidade e não se discutem os meios. A natureza foi injusta porque repartiu de forma desigual os recursos, deixando em mãos de povos inferiores riquezas que os povos mais capacitados não podem aproveitar. É justo que tal estado de coisas se prolongue indefinidamente? Esta é a pergunta que se formula um dos mais intransigentes defensores do imperialismo francês, Albert Sarrault, respondendo que, em nome da humanidade, esta injustiça não pode ser admitida. A desigualdade criada pela natureza deve ser eliminada em nome da humanidade, ainda que isto crie a desigualdade entre os homens.

Em um livro publicado em 1931, Grandeza y servidumbres coloniales, Sarrault expôs seus argumentos com fria e cega convicção. Vejamos alguns trechos:

"Em nome do direito de viver da humanidade, a colonização, agente da civilização, deverá tomar a seu encargo a valorização e a circulação das riquezas que possuidores fracos detenham sem benefício para eles próprios e para os demais. Age-se, assim, para o bem de todos. A Europa não abandonará, absolutamente, sua autoridade colonial. Apesar de alguns perigos e de algumas servidões que a Europa deve suportar e de algumas compulsões para abdicar que recebe, não deve desertar de sua linha colonial. Ela está no comando e no comando deve permanecer. Eu nego com todas minhas forças e repudio com toda a energia de meu coração todas as tendências que procuram, tanto para a Europa como para meu país, o despejo da tutela ocidental nas colônias".

Representantes da Igreja defenderam este princípio de "direito de colonização" que na realidade é um "direito à violência" contra o mais fraco [isso aconteceu porque aqueles foram cegados pela tradição, se esquecendo da Palavra de Deus, a Bíblia. Lembrando, por exemplo, os erros cometidos pelos jesuítas: Primeiro desconsideraram os indígenas como sendo gente (baseados em concepções erradas sobre o que vem a ser alma), apoiando sua tentativa de escravização junto aos outros colonizadores; depois, procuraram os catequizar por meios errados, à força e não pela paz que emana do evangelho em si, que diz que todos somos iguais perante Deus e somos livres para aceitar ou não o plano da Salvação em Cristo Jesus]. E isto não é surpreendente, pois a teologia [apóstata] espanhola do século XVI formulou toda uma teoria para justificar a conquista da América. Alguns dos princípios formulados por Francisco de Vitoria em Relecciones teológicas, particularmente o da "guerra justa", serão retomados por leigos e eclesiásticos da época do imperialismo moderno. Por exemplo, as seguintes palavras do reverendo padre Müller, transcritas por um católico defensor do imperialismo francês, J. Folliet, doutor em filosofia tomista:

"A humanidade não deve, nem pode aceitar mais que a incapacidade, a negligência, a preguiça dos povos selvagens deixem indefinidamente sem emprego as riquezas que Deus lhes confiou, com a missão de utilizá-las para o bem de todos. Se forem encontrados territórios mal-administrados por seus proprietários, é direito das sociedades — prejudicadas por esta administração defeituosa — tomar o lugar destes administradores incapazes e explorar, em
benefício de todos, os bens dos quais eles não sabem tirar partido".

Poder-se-ia pensar que estas idéias não passavam de simples curiosidades arqueológicas européias, mas, em um país tão novo como os Estados Unidos, a visão racista da colonização foi alimento nacional. Ali, a doutrina do Destino Manifesto, inspirada do darwinismo social, serviu para justificar todo o expansionismo do século XIX, primeiro contra os índios para conquistar as terras do Oeste, depois para construir um império econômico e político no ultramar.

A doutrina era uma espécie de sentimento com vistas a um objetivo final, com a proteção da Divina Providência [Deus não tinha nada que ver com isso, obviamente. a Bíblia, bem lida, sempre demonstrou isso. Saiba que Ellen White, precursora da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que viveu no século XIX e início do XX, nos Estados Unidos, não defendia o racismo e ensinava isso a todos que tinha acesso. Clique aqui, aqui e aqui para constatar]. Em 1885, o pastor Josiah Strong escreveu que os anglo-saxões estavam encarregados pela divindade de ser os guardiães da espécie humana e que Deus os havia preparado para a guerra final entre as raças [Strong era o pastor ou o lobo?]. Os anglo-saxões deviam estender-se sobre toda a superfície terrestre, começando pelo México, América Central e do Sul, sobre a África e sobre todo o mundo. (...)

[Páginas: 8-12]

Referência:

BRUIT, Héctor H. O imperialismo. Atual: São Paulo, 1999.

Resumo do livro: aqui.

Nota: Lembro que a ideia geral do criacionismo bíblico é a igualdade entre todos, independente de condição ou raça; já para o darwinismo, isso é indiferente, pois a "lei" da sobrevivência do mais forte é que determina a prevalência ou não de uma espécie ou subespécie. O Holocausto promovido por Hitler teve influência do darwinismo social, como muitos sabem, sendo que matou muito mais gente que a Igreja, no período das Cruzadas e Inquisição somadas, por exemplo (não estou defendendo a ICAR, pelo contrário, mas expondo apenas a realidade). De fato, a relação dialética na natureza vem ocorrendo, mas não foi sempre assim, pois a Bíblia diz que a Terra teve que ser amaldiçoada por causa do pecado do homem. Mas o homem, consciente disso e buscando voltar aos princípios da vida, deve procurar a harmonia com tudo e todos que o cercam, conforme orientações de Deus. Um dia essa dialética vai acabar, com a criação de novos céus e nova Terra, segundo a esperança na breve vinda de nosso Criador, Salvador e futuro Restaurador, Jesus. [ALM]

Leia também: A Bíblia não apoia a escravidão

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